COMO O ESPORTE MUDOU A VIDA dessas 3 pessoas deficientes que aceitaram dar seus depoimentos. Sofreram acidentes, e cada uma delas, ao seu modo, reconstruiu a vida através da prática esportiva.
Antoine • 41 anos, politraumatizado na perna esquerda após ser atropelado por um carro (Joinville-le-Pont, Val-de-Marne)
Eu tinha 11 ou 12 anos quando comecei a praticar remo. Antes, eu costumava velejar até que um barco a remo colidiu no meu pequeno veleiro. Para constar, foi Adrien Hardy, que depois tornou-se campeão olímpico em Atenas em 2004 (em dupla). Tentei e gostei, consegui alguns títulos de campeão francês pelo clube de Avignon. O que eu gostei foi esse enorme espírito de equipe pela necessidade de estar em sincronia no barco. É preciso se conhecer, se compreender, aceitar suas fraquezas e os pontos fortes de seus companheiros.
Todas as memórias da minha adolescência são com o clube de remo. Fui campeão da França no mesmo ano em que consegui entrar na faculdade. Hoje estou comprometido com a alta performance dos paraolímpicos, mas tenho um emprego apesar de meu treinamento. Tenho um contrato de inserção profissional com o departamento de Val-de-Marne, onde sou editor de vídeo no trabalho de comunicação digital. Não queria estar 100% imerso somente no esporte, mas queria também manter uma vida profissional em paralelo.
Meu acidente ocorreu em 2004, aos 23 anos de idade. Fui atropelado por um carro em um cruzamento. O motorista, que era inglês, inverteu as prioridades e eu fui arremessado. Tive grandes ferimentos na perna esquerda e um traumatismo craniano com hemorragia. Fiquei algum tempo em coma e fiquei quase seis meses numa cama no hospital após 23 operações. Tenho o tornozelo que está totalmente bloqueado com enxertos de pele e o joelho com flexão bem limitada. Me falta a metade dos músculos da coxa e alguns tendões. Apesar disso, ando de forma autônoma, sem bengala, mas não posso correr ou saltar. A grande sorte que tive foi que o remo é um esporte que se pratica sentado, então bastou encontrar uma solução no finca pés para me permitir girar e ter a amplitude quase que inteira.
Demorei quase dois anos para voltar a andar, e quatro anos para poder remar novamente. Eu era um cinegrafista, estava filmando um documentário na República Tcheca e, de repente, lá estou eu, imobilizado. Encarei minha reabilitação como um desafio esportivo. Eu queria reconstruir algo positivo. O cara que me atropelou, não parou para me socorrer. Fui ao tribunal, mas ele não se apresentou. Eu poderia ter continuado com os procedimentos legais, mas preferi seguir em frente. Eu tinha apenas um objetivo: voltar para um barco. Não via meu futuro de outra forma; queria poder voltar a praticar o meu esporte, nem que fosse só por lazer.
Um concorrente de outro clube ficou sabendo do meu acidente. Ele me convidou para um estágio e percebi que eu poderia voltar a ter um bom desempenho. O único momento em que esqueço que tenho uma deficiência é quando remo.
“Em 2012, fui selecionado para os Jogos Paraolímpicos de Londres. Encontrei o endereço do inglês que me atropelou e enviei uma carta com dois ingressos para me assistir no evento. Foi uma forma de vingança pacífica.”
Estava faltando uma coisa na minha cabeça: entender por que esse cara me deixou lá. Eu não queria ter minha atenção desviada durante a competição, mas estava pronto para conhecê-lo depois dos Jogos. Soube logo depois que minha história foi divulgada nas redes sociais, pois ele tuitou a história. Foi assim que eu soube que ele tinha vindo me assistir na competição. Nós nos encontramos para conversar. Ele inverteu o sentido da pista pois sempre dirigiu a esquerda e não a direita. Ele não foi me ver no hospital porque tinha dificuldade em assumir o que havia feito e pensou tivesse me matado. Finalmente pensei; era um homem de 40 anos, simpático e tinha feito uma besteira sem querer, e não porque fosse um motorista imprudente ou que não se atentasse às leis de transito. Depois, quando cheguei em casa, resolvi botar um ponto final nessa história.
O outro lado da moeda é que para ser mais rápido, mais forte, ir além de meus limites, convivi com muita dor e tive que tomar muitos anti-inflamatórios. Foi uma engrenagem um pouco destrutiva porque o esporte é bom, mas o esporte de alto nível é desgastante para o corpo. Para Tóquio, em 2021 eu pensei: «Vou continuar, mas de outra maneira, sem todo esse tratamento à base de um monte de remédios». Encontramos soluções para organizar meu programa e funcionou. Ganhamos a medalha de bronze [4+ misto – duas mulheres e dois homens].
Fiz uma pausa de seis meses quando voltei do Japão, houve uma espécie de saturação com Covid, testes de PCR, sacrifícios familiares… Esse descanso foi muito bom para minha perna. Estou retomando devagar. Este ano tenho um volume «normal» e estou com menos dor. Sou substituto no barco, veremos se consigo voltar à minha performance para estar em Paris no ano que vem, mas agora há jovens que são muito bons. Não me pressiono. Nunca me concentrei nos resultados durante minha jornada esportiva, eles são apenas a consequência do trabalho realizado.
Hoje, estou tentando falar de meu percurso para promover o esporte e seu impacto positivo na saúde. As pessoas à minha volta que têm dores no joelho, pensam: «Acabou, já não posso mais correr»… Depois de se tratar com meu fisioterapeuta esportivo, 99% delas voltam me dizendo que foi ótimo, que fizeram muitos exercícios, fortalecimento muscular, que não têm mais dores e que podem correr novamente. Temos empregos bastante sedentários, mas muitas coisas podem ser resolvidas apenas praticando exercícios, fazendo fortalecimento, sem precisar ir à musculação. Praticar esportes regularmente ajuda a evitar que essas dores apareçam. Os care clubes podem dar a impressão de que são só para idosos, ou para as pessoas que sofrem de diabetes, problemas cardíacos… Eu acho, ao contrário, que eles podem contribuir muito para muitos casos.
(fonte: jornal franceinfo:sport – Clément Mariotti Pons – publicado em 28/8/2023)