«Quando comparo minha vida, a de hoje é 100 vezes melhor que a de antes»: como o esporte mudou a vida dessas 3 pessoas deficientes que aceitaram dar seus depoimentos. Sofreram acidentes, e cada uma delas, ao seu modo, reconstruiu a vida através da prática esportiva.
Sandrine • 48 anos, paraplégica após um acidente de escalada (La Buisse, Isère).
Minha família não era esportiva, mas eu realmente precisava praticar muito esporte, talvez para fugir um pouco de meus problemas. Meus pais me inscreveram nas aulas de esqui de neve quando ainda era bem nova. Minha paixão era praticar ao ar livre. Aos 17 anos, fiz a prova para ser monitora federal de escalada e esqui para ensinar em um acampamento de verão. Para meus estudos de mecânica, fui a Grenoble, sobretudo para poder estar no meio das montanhas e obter minha certificação estadual. Eu andava muito de mountain bike, um pouco de bicicleta de estrada… Para mim, o esporte era super importante.
Eu tinha 33 anos e dois filhos pequenos de três e cinco anos quando meu acidente de escalada aconteceu. A minha medula espinhal foi comprimida e acabei em uma cadeira de rodas. Todos achavam que eu estaria acabada, que eu teria depressão… O futuro era bem sombrio. Quando saí do hospital, fiquei sozinha com meus filhos porque me divorciei. Quis provar a eles que há uma vida após o acidente e que se pode continuar a fazer muitas coisas. Tê-los comigo me deu um grande impulso.
Estou entrando em um período de transição em que se tem que testar os limites. Há um antes e um depois – você tem que descobrir a nova pessoa que você se tornou. E para mim, só o esporte pode nos ajudar com isso. Nós tiramos de dentro de nós, quais membros podem se mover e com o que podemos compensar… Essa passagem pelo esporte para recuperar a autonomia, nem todo mundo vai verbalizá-lo, mas é um pouco obrigatório. Isso é importante para superar as dificuldades que surgirão, como subir uma escada, por exemplo. Há uma fase de luto após o acidente, nem todos somos capazes de ter essa reflexão, é um caminho para a aceitação deste novo corpo.
“Um ano após o acidente, fiz a minha primeira competição de natação. Eu tinha convidado meus filhos para me ver ganhar uma medalha. Era importante mostrar-lhes que ainda podia fazer coisas, dirigir, ter um emprego…”
Tive também a sorte de ter sido uma atleta antes, e o acidente, eu o incorporei como uma competição. Você tem que reviver, voltar à corrida, analisar o que não funcionou. Na escalada, eu procurava principalmente o dificil; tive a sorte de estar ao lado de Isabelle Patissier [alpinista francesa, quatro vezes campeã da França]. Pensei que ia sentir falta deste esporte e portanto, não senti. Consegui compensar com outras disciplinas, e testei praticamente tudo! Fui contratada como responsável de missão de deficiência no Commissariat à l’énergie atomique (CEA) em 2010 e, logo abri uma seção de esqui sentado dentro da empresa. Reencontrei sensações reais e muito rapidamente voltei a elas, com um pouco de competição. Paralelamente eu andava de caiaque e fui convidada para todos os níveis nacionais. A disciplina de esqui foi aceita nos Jogos Paralímpicos no Rio em 2016, e me propuseram de participar, mas financeiramente não pude pagar. Meus dois filhos ficaram um pouco chateados, mas tive de parar de esquiar para me dedicar ao caiaque, que era «a minha» disciplina.
Há nove anos estou envolvida na associação «Como os outros», que luta pelo acompanhamento social de pessoas com deficiência através do esporte. Eu organizo estadias para os deficientes. O objetivo é conscientizar as pessoas sobre tudo o que um corpo deficiente é capaz de fazer.Também tento compartilhar minha experiência através dos desafios que pude lançar a mim mesma. Depois de parar na competição, em 2014-2015, participei de uma missão na Guiana com várias pessoas onde tivemos que fazer um estudo e ver se poderíamos tornar acessível uma pequena aldeia, chamada Saul, de 60 habitantes, onde se chega apenas por avião, bem no meio da floresta amazônica. Era preciso treinar pessoas para receber pessoas com deficiência, foi uma grande aventura. Voltei sozinha lá dois anos depois, durante três semanas. Aluguei um carro para dar a volta da Guiana, mas o veículo não tinha acessibilidade, então adaptei um dispositivo com bengalas nos pedais. Fui nadar com os crocodilos no pântano, dormi em uma rede, fui andar de caiaque… Foi ousado, eu estava sozinha com minha mochila. Quando voltei, tudo me pareceu mais fácil, peguei o metrô mesmo que sem acessibilidade, descia sentada e meu filho carregava minha cadeira… Então, fiz o mesmo em Guadalupe.
Hoje criamos a nossa própria estrutura – «DynamiGo» – com a Ingrid, professora de atividade física adaptada. Organizamos um raid esportivo para deficientes entre Grenoble e Nice em meados de setembro durante 15 dias. O fio condutor são as crianças com deficiência e o esporte. Conheci uma jovem numa cadeira de rodas há dois anos, e sua história me emocionou. Queremos mostrar às crianças que a deficiência pode ser bem vivida, abrir o campo das possibilidades, inclusive para os pais.
(fonte: jornal franceinfo:sport – Clément Mariotti Pons – publicado em 28/8/2023)