«Quando comparo minha vida, a de hoje é 100 vezes melhor que a de antes»: como o esporte mudou a vida dessas 3 pessoas deficientes que aceitaram dar seus depoimentos. Sofreram acidentes, e cada uma delas, ao seu modo, reconstruiu a vida através da prática esportiva. Jérémy • 30 anos, paraplégico após um acidente de motocicleta (Longuenesse, Hauts-de-France) Fiz de tudo um pouco quando era jovem, mas nunca gostei de esporte. Nunca fui muito bom em nenhum esporte e a partir dos 13-14 anos parei completamente. Eu ainda fazia um pouco no colégio interno, mas aos 17 anos, quando saí da escola, não fiz mais nada até os 23 anos. Foi uma época em que eu estava acima do peso. O meu acidente aconteceu a 15 de Outubro de 2016. Eu estava de moto. Ninguém sabe bem como isso aconteceu. Meu colega que estava na moto dele e me seguia, contou que a parte de trás da moto caiu e eu caí junto. A moto continuou a deslizar e essa parte solta bateu nas minhas costas, e na coluna vertebral. Este colega, nunca mais o vi. Fiquei dois meses em coma, de outubro a dezembro, antes de ser operado dois meses mais tarde. Minha medula espinhal foi afetada, mas na época eu não sabia que havia ficado paraplégico. Já não sentia as minhas pernas, mas não me disseram mais nada. Não fiquei com nenhum trauma psicológico… nenhum médico entra no quarto e te diz que está condenado à cadeira de rodas. Tive tempo para «digerir» o fato, mesmo que seja realmente impossível aceitar o fato de estar em uma cadeira de rodas aos 23 anos de idade. «É o esporte que me vai salvar e fazer com que eu ultrapasse todas as barreiras da deficiência, e que eu me abra socialmente.» No início da reabilitação, tentei recuperar a mobilidade quanto a percorrer pequenas distancias. Lembro-me que as pessoas [do centro de reabilitação em Berck, Pas-de-Calais] se reuniam lá fora para fumar. Eu queria me juntar a eles para conversar, mas como não tinha autonomia, não pude. Todas as noites às 18 horas era colocado na cama, vivia mal e me sentia isolado. Um dia, nesse momento, tive um clique e disse a mim mesmo que teria que fazer os percursos sozinho, ganhar força para poder me virar sozinho e não ser uma peso e depender até disso de meus pais. Aí é que entra o retorno ao esporte. Começo a fazer musculação durante uma hora por dia no centro de reabilitação, e tomo gosto por ficar suado. No dia do meu acidente eu pesava 127 quilos. Hoje estou com 85 quilos para meu 1,93m. Alguns meses mais tarde, depois de ter construído minha casa, continuei a praticar muitos esportes, e descobri o handbike… De bicicleta, só me deparo com pessoas atenciosas que me perguntam como faço para pedalar com os braços. Aproximei-me de associações com as quais posso falar sobre minha deficiência. Conheço jovens acidentados e tento passar a mesma energia que tinha em Berck, porque também queria, um dia, incentivar as pessoas a fazer a reabilitação, lhes dizer que mesmo numa cadeira de rodas elas podem ter uma vida muito boa. Quando comparo a minha vida de hoje com a de antes, é 100 vezes melhor. Em termos de emprego, antes do meu acidente, eu era motorista de caminhão. E mesmo quando estava em reabilitação, ainda tinha essa vontade de dirigir um caminhão novamente. Me disseram que ninguém em uma situação como a minha, paraplégico, havia conseguido e isso me deixou um pouco desanimado. Primeiro pensei em me restabelecer, pois sabia que para realizar o meu sonho, tinha que primeiro ser suficientemente forte do ponto de vista físico. Em 2019, li um artigo em que uma pessoa numa cadeira de rodas se torna a primeira a retomar a profissão de caminhoneiro. Entro em contato com ela, e refaço meus exames para obter novamente a carteira para poder dirigir caminhões pesados. Mas a parte mais difícil foi a de convencer uma empresa a me contratar. Já dura mais de um ano a procura pelo emprego, mas continuo a procurar, e digo a mim mesmo que irei a qualquer lugar da França onde quiserem alguém com meu perfil. Conheci então aqueles que fizeram a plataforma de acesso para cadeirantes à cabine do veículo. Assisti a entrega de um caminhão a um jovem cadeirante, e digo a mim mesmo que o meu objetivo na vida será também o de viver esse momento. Participo de vários salões especializados nesses caminhões e, um dia, há uma hora de casa, acho um empregador que decide acreditar na causa. Tudo foi muito rápido. Estamos no projeto há mais de um ano. Financiamento e apoio demoraram um pouco. Mas, se tudo correr bem, volto para o caminhão em outubro! (fonte: jornal franceinfo:sport – Clément Mariotti Pons – publicado em 28/8/2023)

«Quando comparo minha vida, a de hoje é 100 vezes melhor que a de antes»: como o esporte mudou a vida dessas 3 pessoas deficientes que aceitaram dar seus depoimentos. Sofreram acidentes, e cada uma delas, ao seu modo, reconstruiu a vida através da prática esportiva.

Sandrine • 48 anos, paraplégica após um acidente de escalada (La Buisse, Isère).

Minha família não era esportiva, mas eu realmente precisava praticar muito esporte, talvez para fugir um pouco de meus problemas. Meus pais me inscreveram nas aulas de esqui de neve quando ainda era bem nova. Minha paixão era praticar ao ar livre. Aos 17 anos, fiz a prova para ser monitora federal de escalada e esqui para ensinar em um acampamento de verão. Para meus estudos de mecânica, fui a Grenoble, sobretudo para poder estar no meio das montanhas e obter minha certificação estadual. Eu andava muito de mountain bike, um pouco de bicicleta de estrada… Para mim, o esporte era super importante.

Eu tinha 33 anos e dois filhos pequenos de três e cinco anos quando meu acidente de escalada aconteceu. A minha medula espinhal foi comprimida e acabei em uma cadeira de rodas. Todos achavam que eu estaria acabada, que eu teria depressão… O futuro era bem sombrio. Quando saí do hospital, fiquei sozinha com meus filhos porque me divorciei. Quis provar a eles que há uma vida após o acidente e que se pode continuar a fazer muitas coisas. Tê-los comigo me deu um grande impulso.

Estou entrando em um período de transição em que se tem que testar os limites. Há um antes e um depois – você tem que descobrir a nova pessoa que você se tornou. E para mim, só o esporte pode nos ajudar com isso. Nós tiramos de dentro de nós, quais membros podem se mover e com o que podemos compensar… Essa passagem pelo esporte para recuperar a autonomia, nem todo mundo vai verbalizá-lo, mas é um pouco obrigatório. Isso é importante para superar as dificuldades que surgirão, como subir uma escada, por exemplo. Há uma fase de luto após o acidente, nem todos somos capazes de ter essa reflexão, é um caminho para a aceitação deste novo corpo.

“Um ano após o acidente, fiz a minha primeira competição de natação. Eu tinha convidado meus filhos para me ver ganhar uma medalha. Era importante mostrar-lhes que ainda podia fazer coisas, dirigir, ter um emprego…”

Tive também a sorte de ter sido uma atleta antes, e o acidente, eu o incorporei como uma competição. Você tem que reviver, voltar à corrida, analisar o que não funcionou. Na escalada, eu procurava principalmente o dificil; tive a sorte de estar ao lado de Isabelle Patissier [alpinista francesa, quatro vezes campeã da França]. Pensei que ia sentir falta deste esporte e portanto, não senti. Consegui compensar com outras disciplinas, e testei praticamente tudo! Fui contratada como responsável de missão de deficiência no Commissariat à l’énergie atomique (CEA) em 2010 e, logo abri uma seção de esqui sentado dentro da empresa. Reencontrei sensações reais e muito rapidamente voltei a elas, com um pouco de competição. Paralelamente eu andava de caiaque e fui convidada para todos os níveis nacionais. A disciplina de esqui foi aceita nos Jogos Paralímpicos no Rio em 2016, e me propuseram de participar, mas financeiramente não pude pagar. Meus dois filhos ficaram um pouco chateados, mas tive de parar de esquiar para me dedicar ao caiaque, que era «a minha» disciplina.

Há nove anos estou envolvida na associação «Como os outros», que luta pelo acompanhamento social de pessoas com deficiência através do esporte. Eu organizo estadias para os deficientes. O objetivo é conscientizar as pessoas sobre tudo o que um corpo deficiente é capaz de fazer.Também tento compartilhar minha experiência através dos desafios que pude lançar a mim mesma. Depois de parar na competição, em 2014-2015, participei de uma missão na Guiana com várias pessoas onde tivemos que fazer um estudo e ver se poderíamos tornar acessível uma pequena aldeia, chamada Saul, de 60 habitantes, onde se chega apenas por avião, bem no meio da floresta amazônica. Era preciso treinar pessoas para receber pessoas com deficiência, foi uma grande aventura. Voltei sozinha lá dois anos depois, durante três semanas. Aluguei um carro para dar a volta da Guiana, mas o veículo não tinha acessibilidade, então adaptei um dispositivo com bengalas nos pedais. Fui nadar com os crocodilos no pântano, dormi em uma rede, fui andar de caiaque… Foi ousado, eu estava sozinha com minha mochila. Quando voltei, tudo me pareceu mais fácil, peguei o metrô mesmo que sem acessibilidade, descia sentada e meu filho carregava minha cadeira… Então, fiz o mesmo em Guadalupe.

Hoje criamos a nossa própria estrutura – «DynamiGo» – com a Ingrid, professora de atividade física adaptada. Organizamos um raid esportivo para deficientes entre Grenoble e Nice em meados de setembro durante 15 dias. O fio condutor são as crianças com deficiência e o esporte. Conheci uma jovem numa cadeira de rodas há dois anos, e sua história me emocionou. Queremos mostrar às crianças que a deficiência pode ser bem vivida, abrir o campo das possibilidades, inclusive para os pais.

(fonte: jornal franceinfo:sport – Clément Mariotti Pons – publicado em 28/8/2023)

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